A ovelhinha preta

jpEra uma vez um pastor que vivia muito longe nas montanhas. Tinha um cão-pastor chamado Piloto, que o ajudava a guardar as ovelhas.
Piloto guardava as ovelhas enquanto o pastor ficava sentado numa pedra a fazer malha. O pastor fazia meias, cachecóis, camisolas e cobertores, todos de pura lã, e vendia-os no mercado da aldeia.
Quando o pastor reparava que uma ovelha estava a afastar-se muito do rebanho, pegava num apito de madeira e dava uma curta apitadela. Era um sinal para o Piloto correr atrás da ovelha e trazê-la outra vez para junto das outras. Então o Piloto sentia-se muito importante.
Ao pôr do sol o pastor dava uma apitadela longa, e isto significava que o Piloto tinha de reunir as ovelhas e conduzi-las para o redil. À medida que as ovelhas iam saltando lá para dentro, o pastor contava-as para ter a certeza de que estavam todas.

Todas as ovelhas eram brancas, menos uma.
Havia uma ovelhinha preta. Continuar a ler

O desejo de Nathan

A minha vizinha, Miss Sandy, é reabilitadora de aves de rapina, ou seja, toma conta de aves feridas, como corujas e falcões, até elas serem capazes de voar de novo.

Todos os dias, vejo-a misturar medicamentos, distribuir comida e limpar as grandes gaiolas que tem no pátio. Por muito cansada ou ocupada que esteja, Miss Sandy tem sempre tempo para falar comigo acerca dos pássaros.

O meu maior desejo era poder andar sozinho para poder ajudá-la nas tarefas, em vez de estar apenas a observar. Mas, como tenho paralisia cerebral, os meus músculos não têm força suficiente para que eu ande sem cadeira de rodas ou andarilho.

Certo dia, Miss Sandy mostra-me uma coruja-das-torres, que tem uma asa partida. Embora a asa esteja dentro de uma tala, a coruja tenta escapar debatendo-se contra as paredes da caixa de madeira onde foi colocada.

— Vai ter de ficar aqui até a asa sarar — diz Miss Sandy. — Que nome achas que lhe devemos dar, Nathan? — pergunta-me.

Os olhos brilhantes e amarelos da coruja faíscam, zangados.

— Que tal Fogo? — proponho.

— Parece-me um bom nome — concorda Miss Sandy. — Espero que em breve a Fogo acalme.

Contudo, em cada dia que passa, a Fogo continua a lutar para ser livre e preocupo-me que se magoe de novo. Finalmente, Miss Sandy tira a tala da asa e coloca a coruja numa gaiola.

— A Fogo precisa de exercitar a asa — explica-me.

À medida que as semanas passam, a asa torna-se cada vez mais forte e a Fogo é colocada numa gaiola maior. Por vezes, ignora os ratos mortos que Miss Sandy lhe traz e prefere perscrutar o céu. Percebo que gostaria de caçar a sua própria comida.

— Quanto tempo falta para ela poder voar de novo? — pergunto, um dia.

— Uma asa partida demora muito a ficar curada — respondeu Miss Sandy. — Pareces tão impaciente quanto ela, Nathan!

E estou. Estou ansioso que a Fogo seja de novo livre. Quando estou na escola e vejo um pássaro a voar lá fora, penso na Fogo e deixo de ouvir o professor.

À noite, quando oiço um grito estridente vindo do pátio, pergunto-me se a Fogo estará a chamar os amigos.

Um dia, vejo a gaiola dela vazia. Miss Sandy colocou-a numa pequena caixa que segura nas mãos.

— Vou pô-la na gaiola de voo, para ver até onde consegue ir — explica-me.

Enquanto a sigo, oiço o coração a bater nos meus ouvidos. Se a Fogo voar bem, Miss Sandy irá libertá-la hoje! Sustenho a respiração enquanto ela vira a caixa gentilmente, de forma à coruja pousar no chão da gaiola. A Fogo dá um salto e voa, forte e bonita.

Contudo, de repente, inclina-se para o lado e começa a descer. Embora tenha os olhos bem fechados, consigo ouvir o baque suave da sua aterragem desajeitada. E quando abro os olhos, vejo Miss Sandy a abanar a cabeça. Dou-me conta, de repente, de que a Fogo nunca será libertada. Não tem a asa suficientemente forte para sobreviver na floresta.

— Pobre Fogo — lamenta Miss Sandy. — Queria tanto ser livre!

Viro-me para que ela não veja as lágrimas no meu rosto. Sei muito bem o que é ter um desejo que não se pode realizar.

Depois desse dia, a luz dos olhos da Fogo apaga-se. Recusa a comida e nem sequer tenta sair da gaiola.

— Por favor, não desistas! — sussurro-lhe.

Mas ela continua imóvel como uma estátua, em cima do poleiro.

Deve haver uma forma de ajudar esta coruja. Procuro, no computador, informação sobre aves feridas. Deparo com um corujão-orelhudo quase cego que toma conta de corujinhas órfãs até estas terem idade para serem libertadas. Talvez a Fogo consiga fazer o mesmo. Imprimo a informação e mostro-a a Miss Sandy, que diz:

— Vale a pena tentar. Tenho três crias que ficaram órfãs na tempestade da semana passada.

Miss Sandy põe as três crias na gaiola da Fogo. As corujinhas balançam as cabecinhas e emitem uns pios engraçados. Mas a Fogo não parece interessada em crias esfomeadas ou no que quer que seja.

Como não suporto vê-la tão infeliz, decido ficar em casa alguns dias, cheio de tristeza por ela e por mim. Uma noite, Miss Sandy toca à nossa porta e entra de rompante.

— Vem comigo, Nathan! — pede. — Tens de ver a Fogo!

Antes de me aperceber do que está a acontecer, já Miss Sandy conduz a minha cadeira aos tropeções até casa dela. Finalmente, estaciona-me junto da gaiola da Fogo.

— Olha! — sussurra.

Nem posso acreditar no que vejo. A Fogo pega num pedaço de carne que estava no chão e leva-o, aos saltos, até à gaiola-ninho, onde o depõe no bico de uma das crias. Embora o seu desejo de ser livre não possa realizar-se, a coruja encontrou algo de importante para fazer. E isso dá-me uma ideia!

No dia seguinte, vou até casa de Miss Sandy e olho para o pátio. Posso não poder andar sozinho, mas vou encontrar uma forma de a ajudar nas suas tarefas! Sei que os baldes são demasiado pesados; contudo, posso encher as tinas de banho das aves com a mangueira. Demoro bastante tempo a desdobrá-la e a arrastá-la até cada uma das gaiolas. Mas não desisto até as tinas estarem todas cheias.

Quando vejo a carrinha do correio a aproximar-se, vou até ao fim da alameda e recebo a correspondência para Miss Sandy. Enfio as cartas no bolso do meu casaco e levo-as até casa dela. Quando são horas de alimentar os pássaros, ofereço-me para ficar no escritório a atender os telefonemas. O telefone toca quatro vezes e anoto os recados.

Antes de ir-me embora, Miss Sandy abraça-me e diz:

— Ajudaste-me muito hoje, Nathan.

Fico corado e baixo a cabeça. Mas sorrio. Agora sei o quão orgulhosa a Fogo se sente!

 

Laurie Lears

Nathan’s wish: a story about cerebral palsy

Illinois, Albert Whitman & Co, 2005

(Tradução e adaptação)

A cor dos olhos

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A cor dos olhos

Naquele tempo, que não era como o tempo de hoje, os leões já tinham quatro patas mas, tal como os elefantes, não podiam meter-se por dois caminhos ao mesmo tempo!

Naquele tempo

naquela aldeia

havia Fati e Issa.

Fati dormia deitada numa esteira, sempre de barriga para baixo. Durante esse tempo, Issa sonhava deitado de costas, na cabana da mãe.

Uma manhã, Issa convidou Fati para ir com ele à pesca, no grande riacho.

― Fati, vens ou não pescar?

― Vou, mas… e se o peixe não morde?

― Ficamos à espera.

Partiram com ele à frente, como sempre.

Fati, que era cega, seguia-lhe os passos.

A mãe dela, como todas as mães da aldeia, sabia fazer um bom molho com sementes e também uma mistura saborosa de inhame. O pai conhecia os remédios contra as serpentes e os génios malfazejos, e contra os anões ruins do mato que só fazem mal!

Mas nem o pai nem a mãe sabiam transformar os olhos que não vêem em olhos que vêem!

Fati e Issa caminhavam num estreito carreiro vermelho.

Issa viu pássaros tecelões dar reviravoltas perto das folhas de um embondeiro.

Fati ouviu-os chilrear.

Tinha posto na cabeça um lenço para se proteger um pouco. Tal como Issa, sentia o sol a queimar-lhe os ombros como se fosse uma fogueira no mato.

Não sabia nada da forma zombeteira das sombras, sempre um pouco maiores, mas conseguia adivinhar a grande boca do sol que sugava o céu com gulodice.

Chegaram ao riacho.

― A água está bem desperta ― gritou Issa.

Fati mergulhou o dedo e exclamou:

― Esta água está toda molhada!

Issa preparou uma linha para Fati e outra para ele.

Deitaram-nas à água. Passou algum tempo.

Issa inclinou-se para Fati e murmurou-lhe, quase a morder-lhe a orelha:

― Não te mexas, vou andar alguns passos.

― Porquê?

― O sol está muito forte. Talvez encontre uma jujubeira que nos dê sombra.

Afastou-se, apressado, para fazer algo que ninguém poderia ter feito por ele!

Nada acontece sem se fazer anunciar…

Fati, com a linha entre os dedos, estava tão imóvel como uma velha termiteira, quando sentiu um abanão na mão. Quando sentiu o segundo abanão, foi como se estivesse à espera dele, precisamente naquele momento. Puxou com um gesto seco e, quando ouviu a água a salpicar, não teve dúvidas: era mesmo um peixe que tinha mordido o isco e que ela estava a pescar. Com cuidado, para não assustar nada nem ninguém, levantou-se, puxando sempre a linha com a mão.

Agarrou o pequeno peixe que dançava agarrado ao isco.

Disse em voz alta, para si própria: “É de certeza uma carpa, uma carpa pequena e linda.”

― Uma carpa que preferiria voltar para a água em vez de assar ao sol — respondeu-lhe uma voz.

― És tu, Issa?

― Não é o Issa, sou eu ― respondeu-lhe a carpa.

― Mas quem está a falar? ― perguntou Fati.

Não obteve resposta. Pensou que tinha sonhado.

Com cuidado, tirou o peixe do isco.

― Ufa, obrigado. Assim está melhor ― ouviu.

― Mas de quem é esta voz que não conheço?

― É minha. Sou a carpa que acabas de pescar, não vês?

― Não. Tenho olhos mas não vejo.

A carpa, que era menos medrosa do que uma tartaruga e mais faladora do que um quimbanda lisonjeador, continuou a falar.

― Será que me podes dizer o teu nome, tu que me pescaste?

― Fati.

― Fati, se voltares a pôr-me na água do riacho, posso dar-te o mais belo dos presentes.

― O que é o mais belo dos presentes?

― É o que quiseres… exactamente o que quiseres.

― Não existe o mais belo dos presentes.

― Existe, sim!

Fati pôs-se a rir e disse à carpa:

― Pequeno peixe, podes ofender o génio da água com as tuas mentiras.

― Não estou a mentir.

― Então faz-me ver o mundo com os meus dois olhos.

― O mundo inteiro?

― O mundo inteiro.

Sem pensar duas vezes, o pequeno peixe disse a Fati:

― Pega em duas das minhas escamas, e põe uma em cada olho.

― Depois…

― Depois, nada. É tudo. Verás o que quiseres ver.

Fati pegou em duas escamas e fez o que a carpa lhe tinha dito. Então, começou a ver de verdade, e os seus dois olhos tocaram o mundo.

― Agora, podes ver quase tudo ― disse-lhe a carpa.

― Porquê “quase”?

― Podes ver tudo, excepto os teus olhos. Com os próprios olhos, ninguém pode ver os seus próprios olhos.

Fati pôs o pequeno peixe no riacho e ele continuou a viver como um peixe na água.

Issa chegou. Tinha-se aliviado em algum lado.

Fati, que nunca o tinha visto, viu-o aproximar-se.

― Issa, estou a reconhecer-te.

― É lógico, porque me conheces.

― Reconheço-te com os meus olhos, não apenas com os ouvidos!

Issa tinha parado a dois passos de Fati. Olhava-a bem de perto, e assim podia ver-lhe os olhos. Exclamou:

― Mas o que é que se passa? Lavaste os olhos no céu?

― E por que dizes isso?

― Fati, os teus olhos estão azuis como o céu. Continuas negra mas tens os olhos cor do céu!

Fati contou-lhe tudo.

Quando chegaram à aldeia, Fati ficou espantada por ver um só mundo com os dois olhos.

No dia seguinte, de manhã, ouviram a aldeia a murmurar.

Issa, que continuava a dar-lhe a mão, escutou as vozes ao mesmo tempo que ela.

Viram chegar as três co-esposas do pai de Fati, e outras mulheres, e alguns homens. Tinham a boca cheia de maldades e gritavam. A seguir, chegaram os da aldeia. Eram piores do que animais loucos do mato. Gritavam:

― Bruxa!

― Fati, vai-te embora!

― Não passas de uma bastarda do céu!

― Bruxa azul! Deixa-nos, vai-te embora para sempre, tu e os teus olhos azuis!

― Excremento de abutre!

Puseram-se a atirar-lhe pedras e Fati não encontrou outra solução senão fugir. Issa, que tentara defendê-la, teve de fazer o mesmo.

Depois de uma longa corrida,  chegaram ao fundo,  ao fim do fim, um pouco mais longe do que o horizonte.

― Fati, eu gosto de ti.

― Não tens medo dos meus olhos?

― Fati, eu gosto de ti.

Tinham-se sentado frente a frente, à sombra de uma jujubeira.

Fati perguntou:

― Será que fechando os olhos, acabamos com a maldade?

― Não… não se acaba com nada. Se fechares os olhos, nem sequer acabas com as cóleras do mato.

Calaram-se. Issa tomou as mãos de Fati nas suas. Fati tinha dois olhos para ver e chorar. Murmurou-lhe:

― Eles têm medo. Estão cativos do medo que têm, e o medo faz esquecer o coração…

Nesse dia, nesse tempo, que se parecia muito com o tempo de hoje, Fati e Issa tinham o coração ferido como uma velha cabaça.

Levantaram-se e afastaram-se ainda mais da aldeia, talvez para encontrar a fonte dos quatro ventos do céu, aqueles que fazem as mesmas cócegas em todas as cores do mundo.

Muitas estações das chuvas deram lugar a muitas estações secas.

E ontem, na aldeia, um grande pássaro negro pousou na bela árvore vermelha florida. Era um calau.

Um calau negro de olhos azuis. Sim, negro de olhos azuis! Todos o acharam belo.

Este calau era um sinal. Logo que parou na grande árvore da aldeia, Fati e Issa chegaram.

Fati sorria tal como Issa. Foi ela quem disse:

― Bom dia, estávamos tão longe há tanto tempo… eis-nos aqui, os dois.

― Bom dia!

― Bom dia…

Foram muitos os que lhes ofereceram a água das boas-vindas.

No dia seguinte, Issa começou a construir a cabana deles.

Tal como acontecera com os pais deles, foi na sua aldeia que tiveram os filhos.

E foi assim.

Foi o quimbanda quem mo disse.

Yves Pinguilly, Florence Koenig

La couleur des yeux

Autrement Jeunesse, 2001

Tradução e adaptação

Texto cedido pelo blogue Verticalizar

Helen, a menina do silêncio e da noite – Anne Marchon

Helen, a menina do silêncio e da noite

Esta é uma história verdadeira.

Há cem anos, na América, nascia uma menina loira. O pai e a mãe estavam muito felizes.

Chamaram-lhe Helen Keller. Helen é um bonito nome.

Por volta dos dezoito meses, Helen adoeceu. E, quando ficou boa, os pais aperceberam-se de que ela já não via nem ouvia nada. Tinha-se tornado cega e surda.

Entretanto, crescia, brincava, comia e corria, como as outras crianças; só que não se lhe podia explicar, dizer ou mostrar nada.

Nós que vemos, sabemos que o céu é azul, vemos o sorriso da Mamã e do Papá, vemos os animais e tudo o que se passa em nossa casa, lá fora, na rua, nos campos e por todo o lado.

Helen não via nada.

Nós que ouvimos, ouvimos a voz dos nossos pais, ouvimos baterem à porta, ouvimos o ruído dos carros e ouvimos música.

Helen não ouvia nada.

Em todo o lado, ouvimos sempre qualquer coisa, mesmo à noite, quando dormimos.

Quando se é surdo, não se compreende o que dizem as pessoas, por que é que se riem, por que se zangam, por que falam.

Não podemos repetir as palavras, para aprender o nome das coisas.

Não podemos falar para perguntarmos o que queremos.

E, sobretudo, não temos palavras para pensar.

Os que são apenas cegos têm ouvidos para ouvir e perceber o que se passa à sua volta.

Os que são apenas surdos, têm olhos para ver e compreender o que se passa ao seu redor.

Mas ser ao mesmo tempo surdo e cego, é terrível! É como se estivéssemos sempre sós no silêncio e na noite.

Helen estava assim, completamente só no silêncio e na noite.

Os pais não sabiam o que fazer para lhe explicar as coisas. Muitas vezes Helen enfurecia-se e partia tudo o que encontrava, rasgava as roupas, comia com as mãos e atirava o prato ao chão; batia na irmã mais nova e gritava.

Então os pais choravam porque não sabiam o que fazer para lhe ensinar o que ela não sabia, e para lhe fazer compreender que a amavam muito.

Helen estava muito triste. Muitas vezes, ficava sentada no chão e chorava o dia inteiro. Helen estava só no silêncio e na noite e sentia-se muito infeliz.

Os pais deixavam-lhe fazer tudo o que ela queria. Nunca a castigavam, e Helen era ainda mais infeliz.

Quando fez sete anos, os pais tiveram uma boa ideia: pediram a uma professora para vir morar com eles. Chamava-se Ann Sullivan e tinha dezoito anos. Já tinha sido cega, mas fora operada e agora via.

Estava decidida a ajudar crianças cegas.

Conhecia muitos jogos para cegos. Mas Helen era cega e surda, e Ann não sabia se conseguiria vir a “falar” com Helen.

A princípio, Helen era muito mazinha com a sua professora e não queria aprender nada. Não gostava de ser mandada porque estava habituada a fazer tudo o que queria.

Mas Ann era muito paciente. Ensinou-lhe muitas coisas: enfiar pérolas, tricotar e coser. Separar os objectos redondos dos quadrados, e os duros dos moles. E, pouco a pouco, Helen tornou-se gentil e asseada. Não se podia servir dos olhos nem dos ouvidos, mas tentava compreender muitas coisas com as mãos. E foi com as suas mãos que Helen aprendeu a falar.

Um dia, Ann, tocando-lhe nas mãos, fê-la compreender, enfim, que lhe ensinava, deste modo, o nome das coisas. Percebeu, assim, que tudo tinha um nome: as coisas, os animais, as pessoas.

Aprendeu o seu nome, “Helen”, e “Papá” e “Mamã” e “Professora”. E quando Helen tocava com as suas mãos nas do pai, dizendo Papá, ele chorava de alegria. Era formidável.

Então, Helen aprendeu a ler seguindo com os dedos as letras para os cegos. E, mais tarde, conseguiu falar com a sua voz; mas era muito difícil, porque não ouvia o que dizia.

Helen era muito inteligente e aprendia depressa. Queria saber tudo. Foi à escola com Ann, que a acompanhava para todo o lado e lhe dizia, com as mãos, tudo o que diziam as professoras. E Helen fazia os trabalhos de casa na sua máquina de escrever. Tornou-se tão inteligente que passou num exame difícil em que nenhuma rapariga do seu país tinha conseguido passar.

Helen tornou-se célebre e todos queriam conhecê-la.

Viajou muito. Foi a todos os países explicar às pessoas que era preciso ocuparem-se das crianças surdas e cegas, porque elas também podiam compreender, aprender como ela, e serem felizes.

Helen sabia que tinha tido muita sorte: tinha uns pais que a amavam, e que haviam podido pagar uma professora só para ela. E, sobretudo, tinha Ann, que era muito inteligente e paciente.

Helen gostaria que todas as crianças cegas e surdas fossem ajudadas e amadas como ela foi.

Agora, graças a Helen Keller e a Ann Sullivan, sabemos ocupar-nos melhor de crianças que não vêem e que não ouvem.

Anne Marchon

Helen, a menina do silêncio e da noite

Desabrochar – Editorial, 1988

(Texto adaptado)