Já vi coelhinhos fofos bem cedo pela manhã e cheirei o perfume de doninhas através da janela do meu quarto à noite. Assisti, impotente, ao voo picado de um bando de pássaros sobre os meus legumes quase prontos a comer e tentei, vezes sem conta, criar uma horta. Dir-se-ia que, quando a colheita começa a ficar pronta e eu começo a antecipar o sabor dos frutos do meu trabalho, tudo acaba por desaparecer.
Contudo, não posso queixar-me, pois, quando era criança, estraguei alguns jardins…
Lembro-me do verão dos meus seis anos. Era o último verão de liberdade antes de entrar para a escola. Os meus amigos e eu passávamos dias ociosos na piscina ou a construir fortes, e costumávamos acabar por invadir o jardim de uma vizinha.
Aquilo é que era um jardim!
Durante o dia, a senhora, já idosa, trabalhava longa e arduamente para encorajar as cenouras, os feijões, os ruibarbos e outros legumes inimagináveis a crescer. Por vezes, via-a sair de casa quando ia ter com os meus amigos. Usava sempre um grande chapéu de palha e transportava um cesto de vime quando ia jardinar. Certo dia, decidi ficar a observá-la.
O sol escaldava, mas isso não parecia incomodá-la. Ajoelhou-se por entre os carreiros de plantas e começou a trabalhar a terra com as mãos. Arrancou ervas daninhas e colocou-as no cesto a seu lado. Trabalhava com genica para a idade que tinha. Conseguia até trabalhar durante mais horas do que as que eu conseguia passar a observá-la.
Acabei por ir-me embora, cortando caminho através da relva e perguntando-me o que faria ela à relva para a tornar mais verde e macia do que as outras.
Por volta de agosto, os meus amigos e eu não conseguimos resistir à tentação de assaltar aquele jardim. Colhemos alguns ruibarbos e fomos comê-los para o nosso forte. Eram ácidos, mas comi-os na mesma. Na vez seguinte, decidi experimentar as cenouras e souberam-me bem. Estava justamente a apanhar algumas quando vi os meus amigos fugirem para junto da cerca.
— Esperem por mim! — chamei.
Mas era demasiado tarde. Não havia ninguém para ajudar-me a trepar a vedação e, para sair dali, teria de passar pelo lado mais exposto da casa.
Mal me virei, percebi por que razão os meus amigos tinham fugido. A idosa aproximava-se, de vassoura em riste, como se fosse atacar-me. Aterrorizada, olhei para a vedação, embora soubesse que era impossível saltá-la. Passei pela mulher a correr e fugi pela calçada abaixo, com ela no meu encalço.
— Tu aí! Com que então não te importas de roubar uma velha como eu? Podes ter a certeza de que não voltas a levar mais cenouras daqui!
— Peço desculpa! — gritei, sentindo a cerda áspera da vassoura na barriga das minhas pernas.
Corri até casa sem parar. A senhora parou no fundo da entrada para o terreno e não me seguiu. Foi então que percebi que ainda tinha as cenouras na mão. Limpei uma e dei-lhe uma dentada, embora não me soubesse tão bem como pensara. Acabei por comer as três pois, afinal de contas, arriscara a vida por elas.
Na segunda-feira seguinte, foi o meu primeiro dia no jardim de infância.
Vesti a minhas melhores roupas, peguei no meu estojo e no caderno e desatei num pranto. Detestava a escola. Achava que era uma perda de tempo e que não devia ir se me doesse o estômago. O que era manifestamente o caso.
A minha pequena piscina de férias jazia encostada à arrecadação do jardim, parecendo tão triste quanto eu, e os dias sem cuidados das férias de verão e da infância tinham, infelizmente, acabado. A minha mãe chamou às minhas dores de estômago “borboletas”, mas pareciam-me mais elefantes a rodar em círculo.
Enquanto nos encaminhávamos para a escola, fui-me deixando ficar para trás, a tentar conter as lágrimas que ameaçavam brotar. Pouco depois, reparei que os meus amigos já tinham dobrado a esquina e que eu tinha ficado sozinha. Desatei a chorar.
— Porque choras?
Por entre as lágrimas, vi a senhora do jardim. Não trazia nenhuma vassoura e sorria.
— Porque não quero ir à escola.
— É bom ir à escola. Aprendes a ler.
Pegou-me na mão e levou-me até casa dela. Depois disse:
— Vou dar-te uma coisa que te fará gostar da escola e que fará a tua professora gostar de ti.
Sentei-me nos degraus enquanto esperava por ela. Trouxe uma folha de película de alumínio e um guardanapo húmido. Vi-a dobrar a folha em forma de chávena e colocar o guardanapo dentro.
— Apanha algumas flores para dares à tua professora — disse, apontando para o jardim dela.
— Não posso. Roubei as suas cenouras e o seu ruibarbo.
Percebi que tentava conter o riso.
— E pedes desculpa por isso, não pedes?
— Claro.
— Então, agora já podes apanhar flores.
Contemplei a enorme variedade de cores diante de mim. As flores maiores estavam atrás. Eram vermelhas, cor-de-rosa e amarelas. Depois havia as bocas-de-lobo, que tinham boquinhas que abriam e fechavam. Finalmente, apontei para os malmequeres amarelos.
A senhora colocou-os no alumínio e deu-mos.
— Vai para a escola, agora, e presta atenção. Ainda podes vir a ser advogada ou coisa parecida.
Abracei-a e fui para a escola, carregando com orgulho o meu ramo.
Ainda hoje, trinta e cinco anos depois, quando cheiro malmequeres, lembro-me da lição de perdão e bondade que aquela senhora me deu.
Nem todos apreciam o cheiro dos malmequeres, mas eu adoro as memórias que me trazem.
Mal levo um ao nariz, volto a ter seis anos de novo.
Hope Saxton