O esquema de relação interpessoal predominante na nossa sociedade parece ser o da competição, em muitos casos não num sentido construtivo, mas sim no da disputa ou rivalidade mesquinha entre pessoas.
O comportamento social e institucional relativamente à variante cooperação-competição tem-se revelado bastante hipócrita. Enquanto, oficialmente, se louva a excelência da solidariedade, da fraternidade e da cooperação, na prática reforçam-se as condutas que garantem o êxito, a partir de parâmetros totalmente competitivos.
A recompensa para quem triunfa é, em geral, inflacionada: dinheiro, popularidade, fama, homenagens, condecorações; tudo o que for necessário para mostrar às pessoas como é importante triunfar. O que conta é ser o primeiro em alguma coisa. Marcar mais golos, correr mais depressa, fazer mais negócios, bater com mais força, vender mais discos. A questão é que se trata sempre de um triunfo construído com base na lógica do predomínio sobre os outros.
Em compensação, o esquema da cooperação encontra-se, na maior parte dos casos, desprovido de qualquer tipo de reconhecimento. Quase nenhuma referência a quem é solidário com o seu próximo, a quem presta auxílio aos seus amigos, ou a quem tem condutas meritórias, construtivas e enriquecedoras para a sociedade.
Com o atual sistema de reforço social não é de estranhar que os heróis nacionais sejam desportistas, financeiros, cantores ou atores, e nunca filósofos, investigadores (exceto quando, graças a um prémio, alcançam o estado competitivo) ou pessoas que ajudam o próximo em ações solidárias, ditadas pela sua consciência ética.
Não tenho nada contra os desportistas de elite, os financeiros ousados, os cantores populares ou os atores famosos; tenho, sim, algo a dizer contra o conceito de realização pessoal baseado no esquema competitivo. O resultado prejudica, com frequência, triunfadores e perdedores. É necessário rever a escala de valores sociais que permite que se classifique como dignos de admiração comportamentos que são nocivos para o indivíduo e a sociedade.
O êxito competitivo é muitas vezes negativo para quem o consegue, pois submete o indivíduo a uma dose repentina de reforço social positivo que pode gerar uma descompensação. Em casos extremos, pode até desencadear uma neurose de êxito (êxito mal assimilado que gera dependência do reforço exterior e pouca resistência às frustrações). Temos tantos exemplos de triunfos sociais que levaram ao fracasso humano que não é necessário insistir neste ponto. Apenas recomendar aos que legitimamente aspiram ao sucesso que procurem preparar-se psicologicamente, para que possam, se for caso disso, assumi-lo de uma forma construtiva.
Porém, a única competição que parece verdadeiramente necessária é a competição interior, a que o indivíduo mantém consigo próprio, em prol do seu autoaperfeiçoamento. Não é fundamental ser-se melhor do que os outros, mas sim tão bom quanto se puder ser. A máxima é útil para todos, mas especialmente para os que se sentiram prejudicados pelo esquema competitivo.
Todo o triunfo competitivo implica a derrota alheia, e os que sofrem essa derrota são considerados perdedores. São os que na atividade desportiva, financeira, artística, laboral, académica, científica ou económica não alcançaram a glória do primeiro lugar. Não importa que tenham méritos, capacidade e preparação; não importa que tenham feito esforços e sacrifícios para conseguir os seus objetivos, ou que tenham passado anos a perseverar no seu empenhamento; o que conta é o resultado e, infelizmente, não foram os primeiros.
A esses perdedores sociais que todos os dias triunfam no interior de si mesmos quero dizer que não há êxito mais fecundo, produtivo e enriquecedor do que o da satisfação graças ao trabalho desenvolvido em prol dos outros e da sua superação pessoal. Talvez esse êxito nunca alcance a notoriedade pública, mas trará, mais tarde ou mais cedo, um sentimento de harmonia e de autorrealização.
A derrota é, muitas vezes, o alfobre do verdadeiro êxito, porque os autênticos ganhadores forjam-se nas épocas de fracasso. Se há algo a ser corrigido será, sem dúvida, o tipo de critérios por meio dos quais a sociedade concede protagonismo aos seus cidadãos.
António Bolinches