Jacques-Antoine Malarewicz
O Complexo do Principezinho
Lisboa, Estrela Polar, 2007
(excertos adaptados)
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Confronto e mimetismo
As décadas de 1950 e 1960 foram caracterizadas pelo que se chamou “conflito de gerações”, ou seja, a vontade dos jovens em se distanciarem dos mais velhos, rejeitando os seus valores e modelo de sociedade. Estes jovens procuravam alcançar a independência o mais rapidamente possível saindo do núcleo familiar; advogavam outros tipos de relação com os adultos, reivindicando mais respeito e liberdade. Não somente rejeitavam como exigiam. Nas décadas seguintes até aos nossos dias, as relações entre adultos e adolescentes evoluíram sensivelmente. O conflito entre gerações desapareceu totalmente e deu lugar a uma diversidade de tomadas de posição.
Numa grande maioria dos casos, os jovens procuram tirar proveito de um sistema que não rejeitam abertamente. Baseiam-se na confusão de gerações – que resulta de um mimetismo generalizado – onde adultos e adolescentes trocam as suas prerrogativas. As pressões mediáticas, económicas e, sobretudo, mercantis, favoreceram e aceleraram sensivelmente este primeiro fenómeno ao «venderem» “juventude” aos adultos e ilusões de autonomia e maturidade aos jovens.
Uma minoria de jovens, frequentemente bastante desfavorecida, manifesta uma rejeição total da sociedade sem que nenhum pedido de mudança a acompanhe. Aqui, o confronto é directo, destrutivo e sem esperança. Transmite a sensação de desembocar numa violência gratuita, como se nenhuma alternativa parecesse possível para estes jovens, a não ser “a lei dos mais fortes”. Já nem se trata de «ser contra», o que supõe uma intenção e uma capacidade de se projectar para além da violência; a oposição é desesperada e inscreve-se no momento.
A um nível mais profundo ainda, o confronto é sensivelmente deslocado para desaguar em novos pedidos. Quando agora reivindicam um mundo que corresponda à sua própria visão, os jovens exigem dos adultos que eles se conduzam apenas… como adultos. Nesse aspecto, agem como adultos, quer dizer, como os pais dos seus pais. É óbvio que este pedido não é directo, consciente e claro. Mas muitos comportamentos podem ser compreendidos nesse sentido, nem que seja por via das provocações de certas crianças, ao pai e à mãe, e que correspondem a uma procura de autoridade.
O conjunto oferece a sensação de uma grande confusão na distribuição dos papéis e, sobretudo, no lugar que os adultos querem ocupar perante as gerações que lhes vão suceder. O que domina é uma visão a muito curto prazo, uma «filosofia» do «quero, consequentemente faço-o» e uma submissão cega às leis da economia de mercado.
Violência e impotência
A questão da violência física coloca dois problemas difíceis de resolver. O primeiro é: os que a introduzem e põem em prática não a identificam como tal – são violentos porque não sabem o que é a violência. Ela resume, só por si, a sua relação com o mundo e com os outros, e é-lhes impossível compará-la a outras maneiras de actuar, para serem eles próprios a criticá-la.
O segundo problema é: a violência aberta de um induz uma outra, de natureza bem diferente porque perfeitamente interiorizada. De facto, é igualmente violento não saber como fazer frente à violência como o é vivê-la. Esta impotência é então tão manifesta que provoca um verdadeiro sentimento de paralisia.
Muito poucos indivíduos sabem comportar-se «eficazmente» perante a violência. Uma resposta eficaz situar-se-ia em qualquer parte onde houvesse a possibilidade de fazer «alguma coisa», sem se deixar necessariamente arrastar na escalada. Quando não se soube responder a uma agressão desta maneira, subsiste um sentimento de desconforto que pode ir da frustração à angústia profunda. A vítima sente, então e constantemente, a necessidade de reescrever na sua mente um cenário mais satisfatório, sem nunca o conseguir. Trata-se de imaginar que ser humilhado não é uma necessidade, ainda menos uma fatalidade. A violência subsiste então, não enquanto tal, mas na impotência que impõe.
As relações inter-humanas foram desde sempre marcadas pela violência. Mas ela passou a ser para nós cada vez mais insuportável, ao mesmo tempo porque tem a ver com crianças cada vez mais jovens, mas também porque vivemos numa sociedade que nos dá a ilusão da segurança. Como tudo pode ser compreendido, nada pode acontecer sem estar previsto.
Qualquer violência gera outra violência. Quer seja patente ou dissimulada, a reacção está presente. A própria impotência resolve-se, quando tem a oportunidade, por uma atitude por vezes próxima da vingança ou do acertar de contas. Salvaguardadas todas as proporções, seja através do boletim de voto ou do recurso à psicoterapia, o mecanismo de delegação é o mesmo. Com efeito, é tentador aderir às posições políticas extremistas para resolver, pela via da força, os problemas colocados por uma minoria de jovens, da mesma forma que certos pais imaginam, de bom grado, deixar todo o poder ao psicoterapeuta para trazer os seus filhos de volta à razão.
O sintoma «psi» de uma criança é sempre violento para os seus pais. Muitos preferiam confrontar-se com algo de concreto, palpável e racional. Estes pais vivem o facto de recorrer ao psicoterapeuta como um fracasso. São então obrigados a desvendar – poderia escrever confessar – a sua impotência e o seu reconhecimento; nesta situação, escondem mal a sua cólera.
As crianças tiranas
Quando as crianças não são apenas pequenos príncipes, quando se transformam, sem que para tal tenham necessidade de crescer, em reis que só olham para eles próprios, reinam sem partilha e impõem a violência aos que os cercam, e chegam ao ponto de se conduzirem como verdadeiros tiranos. Trata-se da manifestação (…) continuação